Técnicas para salvar pacientes vítimas de tiros e facadas

Data: 26.06.2014
Técnica médica ‘mata’ paciente para salvá-lo

Por KATE MURPHY

PITTSBURGH, Pensilvânia – Vítimas de tiros ou facadas que chegam a um pronto-socorro daqui podem ser envolvidas em um surpreendente experimento médico. Cirurgiões drenam seu sangue e o substituem por água salgada gelada. Sem batimentos cardíacos e atividade cerebral, os pacientes ficam clinicamente mortos. Então, os cirurgiões tentam salvar suas vidas.

Pesquisadores da Universidade do Centro Médico de Pittsburgh iniciaram uma experiência clínica que força os limites da cirurgia convencional -e, na opinião de alguns, vai contra a ética médica. Ao induzir hipotermia e desacelerar o metabolismo em pacientes moribundos, os médicos esperam ganhar um tempo valioso para tratar os ferimentos das vítimas.

Cientistas, porém, nunca tentaram algo semelhante em humanos, e os pacientes inconscientes não têm condições de concordar ou não com o procedimento.

“Isso parece coisa de filme”, disse Thomas M. Scalea, da Universidade de Maryland. “Se eu dissesse que estava fazendo isso há alguns anos, iriam me dizer que eu estava maluco e devia parar de fumar sabe-se lá o quê.”

As pessoas podem sobreviver por horas com pouco ou nenhum oxigênio se seus corpos forem mantidos congelados. Pacientes são rotineiramente congelados antes de procedimentos cirúrgicos que envolvam parar o coração. No entanto, a hipotermia terapêutica nunca foi testada em pacientes com um ferimento por instrumento cortante, e até agora os médicos jamais tentaram substituir totalmente o sangue de um paciente por água salgada.

Em sua experiência, financiada pelo Departamento de Defesa dos EUA, médicos da Universidade do Centro Médico de Pittsburgh só farão o procedimento em pacientes que chegarem com “um trauma catastrófico por perfuração” e que tenham perdido muito sangue a ponto de terem parada cardíaca. Em temperaturas corporais normais, os cirurgiões geralmente têm menos de cinco minutos para restaurar o fluxo sanguíneo antes que haja dano cerebral.

“Nesse tipo de situação, menos de um paciente em cada dez sobrevive”, comentou Samuel A. Tisherman, principal pesquisador envolvido no estudo. “Queremos dar mais chance às pessoas.”

Tisherman e sua equipe vão inserir um tubo na aorta do paciente, a fim de dar uma descarga de solução salina gelada no sistema circulatório até a temperatura corporal cair para 10 graus centígrados. Os cirurgiões possivelmente terão uma hora para tratar os ferimentos antes que ocorra dano cerebral. Após a operação, a equipe usará um aparelho de marca-passo cardiopulmonar com um trocador de calor para reinserir o sangue no paciente.

Se o procedimento der certo, o coração do paciente voltará a bater quando a temperatura corporal estiver entre 29°C e 32°C. No entanto, pode levar várias horas ou vários dias para que o paciente recobre a consciência.

Tisherman e seus colegas pretendem testar a técnica em dez indivíduos, depois examinar os dados, considerar mudanças necessárias e fazer novos testes em mais dez pessoas. O experimento começou oficialmente em abril, e os cirurgiões preveem contar com um paciente qualificado por mês.

O estudo talvez só seja concluído em alguns anos. Tisherman não quis dizer se ele e seus colegas já operaram algum paciente dessa forma. Cerca de seis hospitais que atendem traumas podem participar do experimento.

“Se isso funcionar, trata-se basicamente de operar pessoas mortas e ressuscitá-las”, afirmou Arthur L. Caplan, especialista em ética médica na Universidade de Nova York. “Há um grande risco de deixar a pessoa em estado vegetativo.”

Porém, pesquisadores dizem ter aperfeiçoado a técnica em centenas de cães e porcos durante a década passada. Em estudos recentes, 90% dos animais sobreviveram, na maioria sem problemas cognitivos discerníveis.

“É um tanto perturbador pensar nas possíveis consequências, mas isso acontece toda vez que se vai além das fronteiras conhecidas”, disse Hasan B. Alam, que ajudou a aperfeiçoar a técnica em porcos. “É preciso pôr os riscos e os benefícios na balança.”

Fonte: Folha de S.Paulo