Denúncia de aborto fere ética, dizem médicos

Data: 23.02.2015

Para conselheiro do Cremesp, sigilo deve ser mantido para garantir relação de
confiança

Ao comentar o caso do clínico geral que chamou a polícia após atender uma jovem que provocou aborto em São Bernardo do Campo (SP), médicos levantaram a questão da conduta e da ética médica nesse tipo de situação.
Apesar de o aborto ser crime no Brasil exceto em casos de gravidez resultante de estupro e de risco para a gestante, profissionais afirmam que é dever seguir o
Código de Ética e manter o sigilo que é próprio da relação entre médicos e pacientes.
Um parecer do Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo) estabelece normas de conduta específicas: “Diante de um abortamento (..) não pode o médico comunicar o fato à autoridade policial ou mesmo judicial, em razão de estar diante de uma situação de segredo médico”.
“Essa é uma questão clara. O sigilo garante uma relação de absoluta confiança e a revelação de informações importantes para o diagnóstico e o tratamento”, diz Renato Azevedo Júnior, 1º secretário e ex-presidente do Cremesp.
O sigilo só pode ser quebrado em três situações, segundo Azevedo Júnior: quando há autorização expressa do paciente; em caso de dever legal (no caso de
notificações compulsórias à Vigilância Sanitária de doenças infectocontagiosas, como a Aids) e quando há justa causa.
Nesse último caso, o médico deve revelar um segredo para proteger a saúde de um terceiro uma criança que sofreu abuso, por exemplo.
“Nenhum desses exemplos diz respeito à situação dessa jovem. Médico não tem que fazer papel de polícia ou juiz. Mesmo que haja uma convicção pessoal contrária ao aborto, ela não pode suplantar o código de ética que rege a profissão”, afirma.
César Fernandes, presidente da Sogesp (Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo), toca no mesmo ponto. “Independentemente da causa do aborto, o atendimento deve ser acolhedor, dentro da confidencialidade que caracteriza o atendimento médico.”
Albertina Duarte, coordenadora do programa do adolescente da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, diz ainda que houve uma “violência” contra a
mulher.
“O sigilo faz parte do acolhimento, mas houve uma traição profissional. Isso mostra que a questão do aborto é pouco discutida no país, inclusive entre os médicos”, afirma a ginecologista.

Fonte: Folha de S.Paulo