Cresce a sífilis ocular no Brasil

Data: 27.08.2018

Estudo em quatro centros médicos no Brasil, durante dois anos e meio, traz a maior série de casos recentes de sífilis ocular já registrada e revela que há um aumento preocupante da doença que pode causar dano permanente à visão, mesmo com o tratamento adequado.

No Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP) da USP, por exemplo, até 2012 um caso de sífilis ocular era identificado por ano; a partir de 2013, esse número passou para oito, conta o professor João Marcello Furtado, da FMRP, um dos pesquisadores que assina o estudo publicado na semana passada na Scientific Reports, do grupo Nature.

Diante desse cenário, o professor diz que a sífilis tem que ser investigada em todos os casos de inflamação intraocular, a chamada uveíte, e que é urgente a implantação de políticas públicas de educação e conscientização para alertar sobre o problema das doenças sexualmente transmitidas. “O diagnóstico incorreto atrasa o tratamento adequado e a sífilis tem como ser prevenida com o uso de preservativos”, lembra o professor.

Furtado faz alerta também a médicos, clínicos gerais ou infectologistas, que devem perguntar de queixas oculares e encaminhar ao oftalmologista, se necessário, sempre que diagnosticarem um caso de sífilis. “Já ao oftalmologista indicamos que, sempre que examinar um paciente com inflamação ocular, deve suspeitar de sífilis”, diz.

O estudo, de 2013 a junho de 2015, foi feito no Hospital São Paulo da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp); Hospital São Geraldo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Fundação Altino Ventura de Recife, Pernambuco, e Hospital das Clínicas da FMRP. Foram avaliados 127 pacientes que apresentavam a doença, 96 homens e 31 mulheres, com idade entre 22 e 88 anos. 

Para o professor, alguém com 88 anos com doença sexualmente transmissível é um mudança de perfil em relação às décadas anteriores. “Não há mais o estigma, ou estereótipo da pessoa com sífilis. Apesar da doença afetar mais homens, principalmente homens que fazem sexo com homens, qualquer pessoa pode ser exposta e infectada.”

Desses, 87 pacientes tiveram inflamação ocular bilateral, ou seja, manifestações em ambos os olhos, queixas e alterações no exame físico. 68 eram HIV-negativos e 36, soropositivos. A grande maioria dos pacientes HIV-positivos era composta de homens e pessoas mais jovens que os pacientes HIV-negativos.

A principal queixa desses pacientes foi a baixa visão. Eles passaram por exames de acuidade visual, de fundo de olho e de imagens do fundo do olho. Os exames revelaram que parte desses pacientes apresentava alterações anatômicas, estruturais e funcionais do olho, como por exemplo, descolamento de retina. Furtado lembra que a doença pode levar à perda da visão por atrapalhar a luz a chegar até a retina e esse estímulo ser transportado até o cérebro, ou pela perda de funcionamento da retina, que “capta” o estímulo luminoso.

O professor lembra que o tratamento padrão recomendado é penicilina cristalina endovenosa (antibiótico injetado na veia). “Parte das alterações podem ser revertidas com o tratamento precoce, com o tempo e tratamento corretos. Mas se ocorrer alguma complicação mais grave, a perda da visão pode ser permanente”, alerta.

A professora Justine Smith, da Flinders University College of Medicine and Public Health, de Adelaide, Austrália, uma das autoras do estudo, diz que a sífilis está reemergindo, principalmente em países industrializados, como o Brasil. “Os médicos não estavam mais acostumados a ver sífilis, e se ela não for detectada precocemente pode trazer complicações sérias e afetar a visão”, alerta Justine. A pesquisadora lembra que “o Brasil é um país muito grande e oferece um bom panorama da sífilis ocular neste momento”.  

Veja a matéria completa e a entrevista da professora Justine sobre o trabalho desenvolvido com os brasileiros no site: https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-da-saude/cresce-a-sifilis-ocular-no-brasil/